O documento descreve as aventuras da fada Oriana. Ela protege os animais e pessoas de uma floresta, ajudando uma velha diariamente. Oriana recusa o convite das andorinhas para viajar o mundo, preferindo cumprir sua promessa de cuidar da floresta.
2. I - - FADAS BOAS E FADAS MÁS
Há duas espécies de fadas: as fadas boas e as
fadas más. As
fadas boas fazem coisas boas e as fadas más
fazem coisas más.
As fadas boas regam as flores com orvalho,
acendem o lume dos
velhos, seguram pelo bibe as crianças que vão cair
ao rio,
encantam os jardins, dançam no ar, inventam
sonhos e, à noite,
põem moedas de oiro dentro dos sapatos dos
pobres.
As fadas más fazem secar as fontes, apagam a
fogueira dos
3. dos
pastores, rasgam a roupa que está ao sol a secar,
desencantam
os jardins, arreliam as crianças, atormentam os
animais e
roubam o dinheiro dos pobres.
Quando uma fada boa vê uma árvore morta, com
os ramos secos e sem
folhas, toca-lhe com a sua varinha de condão e no
mesmo
instante a árvore cobre-se de folhas, de flores, de
frutos e de
4. pássaros a cantar.
Quando uma fada má vê uma árvore cheia de
folhas, de flores,
de frutos e de pássaros a cantar, toca-lhe com a
sua varinha
mágica do mau fado, e no mesmo instante um
vento gelado
arranca as folhas, os frutos apodrecem, as flores
murcham e os pássaros caem
mortos no chão.
5. II- ORIANA
Era uma vez uma fada chamada Oriana. Era uma
fada boa e era
muito bonita. Vivia livre, alegre e feliz dançando
nos campos, nos
montes, nos bosques, nos jardins e nas praias.
Um dia a Rainha das Fadas chamou-a e disse-lhe:
- Oriana, vem comigo.
6. E voaram as duas por cima de planícies, lagos e
montanhas. Até
chegarem a um país onde havia uma grande
floresta.
- Oriana - disse a Rainha das Fadas -, entrego-te
esta
floresta. Todos os homens, animais e plantas que
aqui vivem,
de hoje em diante, ficam à tua guarda. Tu és a fada
desta
floresta. Promete-me que nunca a hás-de
abandonar.
Oriana disse:
7. Prometo.
E daí em diante, Oriana ficou a morar na floresta.
De noite
dormia dentro do tronco de um carvalho. De manhã
acordava
muito cedo, acordava ainda antes das flores e dos
pássaros. O
seu relógio era o primeiro raio de sol. Porque tinha
muito que
fazer. Na floresta todos precisavam dela.
8. Era ela que prevenia
os coelhos e os veados da chegada dos
caçadores. Era ela que regava as flores
com orvalho. Era ela que tomava conta
dos onze filhos do moleiro. Era ela que libertava os
pássaros que
tinham caído nas ratoeiras.
À noite, quando todos dormiam, Oriana ia para os
prados dançar
com as outras fadas. Ou então voava sozinha por
cima da
floresta e, abrindo as suas asas, ficava parada,
9. suspensa no
ar entre a terra e o céu. À roda da floresta havia
campos e
montanhas adormecidos e cheios de silêncio. Ao longe
viam-se
as luzes de uma cidade debruçada sobre o seu rio. De
dia e vista de perto a cidade era escura, feia e triste.
Mas à noite a cidade
brilhava cheia de luzes verdes, roxas, amarelas,
azuis, vermelhas e lilases, como se nela houvesse uma
festa. Parecia
feita de opalas, de rubis, de brilhantes, de
esmeraldas e de safiras.
10. Passou um Verão, passou um Outono, passou um
Inverno. E chegou
a Primavera. E certa manhã de Abril, Oriana acordou
ainda mais
cedo do que o costume. Mal o primeiro raio de sol
entrou na
floresta, ela saiu de dentro do tronco do carvalho onde
dormia. Respirou fundo os perfumes da madrugada e
fez uns
passos de dança. Depois penteou os cabelos com os
dedos das
mãos a fazerem de pente e lavou a cara com orvalho.
11. Que manhã tão bonita! - disse ela. - Nunca vi uma
manhã tão
azul, tão verde, tão fresca e tão doirada.
E foi pela floresta fora dançando e dizendo bom-dia às
coisas.
Primeiro acordaram as árvores, depois os galos, depois
os
pássaros, depois as flores, depois os coelhos, depois os
veados e as raposas. A seguir, começaram a acordar os
homens. Então Oriana
foi visitar a velha.
Era uma velha muito velha que vivia numa casa
velhíssima. E dentro
12. da casa só havia trapos, móveis partidos e loiça
rachada. Oriana espreitou pela janela que não tinha vidro. A
velha
estava a arrumar a casa e enquanto trabalhava falava
sozinha, dizendo:
- Que negra vida, que negra vida! Estou tão velha como o tempo
e ainda
preciso de trabalhar. E não tenho nem filho nem filha que me
ajude.
Se não fossem as fadas que seria de mim?
"Quando eu era pequena brincava na floresta e os animais, as
folhas
e as flores brincavam comigo. A minha mãe penteava os meus
cabelos
e punha uma fita a dançar no meu vestido. Agora, se não fossem
as
fadas, que seria de mim?
13. "Quando eu era nova ria o dia todo. Nos bailes dançava sempre
sem parar. Tinha muito mais do que cem amigos. Agora sou
velha, não tenho ninguém. Se não fossem as fadas que seria de
mim?
"Quando eu era nova tinha namorados que me diziam que eu
era linda,
e me atiravam cravos quando eu passava. Agora os
garotos correm atrás de mim, chamam-me "velha", "velha", e
atiram-me pedras. Se não fossem as fadas que seria de mim?
" Quando eu era nova tinha um palácio, vestidos de seda, aios e
lacaios. Agora estou velha e não tenho nada. Se não fossem as
fadas
que seria de mim? "
14. Oriana ouvia esta lamentação todas as manhãs e todas
as manhãs
ficava triste, cheia de pena da velha, tão curvada, tão
enrugada e tão
sozinha, que passava os dias inteiros a resmungar e a
suspirar.
As fadas só se mostram às crianças, aos animais, às
árvores e
às flores. Por isso a velha nunca via Oriana; mas,
embora não a
visse, sabia que ela estava ali, pronta a ajudá-la.
Depois de ter varrido a casa, a velha acendeu o lume e
pôs água a
ferver. Abriu a lata do café e disse:
- Não tenho café.
15. Oriana tocou com a sua varinha de condão na lata
e a lata
encheu-se de café.
A velha fez o café e depois pegou na caneca do
leite e disse:
- Não tenho leite.
Oriana tocou com a sua varinha de condão na
caneca e a caneca
encheu-se de leite. A velha pegou no açucareiro e
disse:
- Não tenho açúcar.
16. Oriana tocou com a varinha de condão no
açucareiro e o
açucareiro encheu-se de açúcar
A velha abriu a gaveta do pão e disse:
- Não tenho pão.
Oriana tocou com a varinha de condão na gaveta e
dentro da gaveta
apareceu um pão com manteiga.
A velha pegou no pão e disse:
- Se não fossem as fadas que seria de mim! E
Oriana, ouvindo-a, sorriu.
A velha comeu, bebeu e no fim suspirou.
17. Agora tenho de ir ao meu trabalho.
O trabalho da velha era apanhar ramos secos que
depois ia
vender à cidade. E todas as manhãs Oriana a
ajudava a apanhar os ramos e
todas as manhãs a guiava até à cidade, pois a
velha via muito mal e
o caminho que ia da floresta para a cidade passava
ao lado de
grandes abismos, onde a velha poderia cair se a
fada não a
guiasse.
18. E assim nessa manhã de Abril, Oriana e a velha foram as duas
pela estrada fora, a velha toda curvada, encostada a um pau, e
Oriana
voando no ar como uma borboleta. E sem que a velha a visse, a
fada
segurava o feixe de lenha para que ele pesasse menos sobre as
costas
dobradas.
Quando chegaram à cidade, a velha foi de porta em porta
vender a lenha
e Oriana voou para cima de um telhado, onde se sentou a ver a
cidade,
à espera da sua amiga. Enquanto esperava,
começou a conversar com as andorinhas:
- Os países distantes são maravilhosos - diziam as andorinhas.
- Contem, contem - pediu Oriana
19. O rei do Sião tem um palácio com um telhado de oiro e na
China
há torres de porcelana - disse uma andorinha.
- Na Oceânia há ilhas de coral cobertas de relva e palmeiras. E
nessas ilhas as pessoas vestem-se com flores e sáo todas
bonitas,
boas e felizes - disse outra andorinha. - Os cangurus têm uma
algibeira para guardar os filhos e o rei
do Tibete sabe ler o pensamento de todos os homens - disse
outra
andorinha.
- No alto das montanhas dos Andes há cidades abandonadas,
onde só vivem águias
e serpentes - disse outra andorinha.
- Que maravilha! Contem tudo - pediu Oriana.
- Não se pode contar tudo - responderam as andorinhas.
20. - As
maravilhas do mundo são tantas, tantas! Mas vem connosco,
Oriana. Quando vier o Outono nós partimos. Tu também tens duas
asas. Vem connosco.
Mas Oriana olhou o vasto céu redondo e transparente, suspirou
e respondeu:
- Não posso ir. Os homens, os animais e as plantas da
floresta precisam de mim.
- Mas tu tens duas asas, Oriana. Podes voar por cima dos
oceanos e das montanhas. Podes ir ao outro lado do Mundo. Há
sempre mais e mais espaço. Imagina como seria bom se viesses.
Podias voar muito alto, por cima das nuvens, ou podias voar
rente ao mar azul, mergulhando a ponta dos teus pés na água
fria das ondas. E podias voar por cima das florestas virgens,
e respirar o perfume das flores e dos frutos desconhecidos.
Vias as cidades, os montes, os rios, os desertos e os oásis.
21. No meio do grande Oceano há ilhas pequeninas com praias
de
areia branca e fina. Ali, nas noites de luar, tudo fica azul,
parado
e prateado. Imagina estas coisas, Oriana.
Mas Oriana, olhando o alto céu e as nuvens vagabundas,
suspirou e disse:
- Imagino o que seria da velha sem mim quando ela
acordasse
numa manhã fria de Inverno e não encontrasse nem o pão
nem o
leite.
- Vem connosco, Oriana - tornaram a pedir as andorinhas.
- Eu prometi tomar conta da floresta - respondeu a fada - e
uma promessa
é uma coisa muito importante.
22. Então as andorinhas fitaram-na com olhos pretos duros e
brilhantes, e com um ar severo disseram:
- Oriana, não mereces ter asas. Tu não amas o espaço e
desprezas a liberdade.
Oriana baixou a cabeça e respondeu:
- Eu fiz uma promessa.
As andorinhas viraram-lhe as costas e não fizeram mais caso
dela.
Mal a velha acabou de vender a sua lenha saiu da cidade,
acompanhada pela fada, e voltaram as duas para a floresta.
Quando
lá chegaram era quase meio-dia. Oriana separou-se da velha
e foi
a casa do lenhador.
23. O lenhador era muito pobre. Na sua casa só havia uma
cama, uma
lareira, uma mesa e três bancos.
A porta estava aberta porque não havia ali nada que
valesse a pena
roubar.
Oriana, antes de entrar, apanhou do chão três
pedrinhas
brancas.
A casa estava muito arrumada porque a mulher do
lenhador
gostava de fazer tudo muito bem feito. Além disso,
havia ali muito
pouco que arrumar.
24. Oriana deu a volta à casa para ver o que faltava.
Abriu a gaveta do pão e viu que ainda havia pão, por isso
tornou
a fechá-la.
Depois abriu a gaveta da roupa. A roupa, que era pouca e
pobre, estava toda limpa e cosida. Mas havia uma blusa tão
velha e com tantos
buracos que, mesmo depois de cosida, estava
rota. Oriana pôs uma pedrinha branca dentro da gaveta,
tocou-lhe com a sua varinha de condão e a pedrinha
transformou-se numa blusa nova.
A seguir, Oriana abriu a caixa do dinheiro e viu que estava
vazia. Pôs lá dentro uma pedrinha branca e transformou-a
numa moeda
nova muito redonda.
25. E debaixo da mesa estava a bola do filho do lenhador. Oriana
pegou-lhe e viu que estava toda estragada. Então pôs debaixo
da mesa a última pedrinha branca e transformou-a numa bola
nova.
E quase todos os dias Oriana ia a casa do lenhador. Levava
sempre três pedrinhas brancas e transformava-as nas coisas
que
faziam mais falta. E a mulher do lenhador dizia ao marido:
- Quem será esta pessoa tão boa que vem a nossa casa quando
eu
vou sair e que me traz as coisas de que eu preciso? Oriana
saiu da casa do lenhador e pensou:
"Hoje ‚ dia de feira, o moleiro foi à cidade vender a farinha.
A mulher foi com ele e levou os onze filhos. Vou a casa deles
ver o que lá falta."
26. E foi a casa do moleiro.
A porta estava fechada à chave, mas Oriana tocou
na fechadura com
a sua varinha de condão e a porta abriu-se.
A casa estava toda desarrumada. Estava tudo de
pernas para o ar e
tudo coberto de farinha Estava tudo fora do sítio.
Porque a mulher
do moleiro tinha onze filhos e era muito
desordenada e distraída,
e nunca tinha tempo para nada. Se não fosse
Oriana não se poderia viver naquela casa.
27. Oriana entrou e olhou à sua roda. Suspirou ao ver tanta
desordem. Depois foi buscar uma vassoura e um espanador e
varreu e limpou
a casa toda. Com a sua varinha de condão colou as coisas
partidas. Lavou
a loiça e arrumou-a nos armários. Escovou os fatos e
pendurou-os. Coseu
toda a roupa que estava dentro do cesto da roupa e arranjou
os brinquedos
partidos.
Quando acabou de fazer tudo isto, olhou à sua roda. A casa
Estava linda, cheia de ordem e de limpeza. Então Oriana
sorriu e
foi-se embora.
28. E quase todos os dias Oriana arrumava a casa do
moleiro. Mas a moleira
nunca percebia que tinha ali estado uma fada, porque
saía sempre de
casa atrasada e a correr, e como era muito
distraída não reparava que deixava tudo desarrumado e
de
pernas para o ar. E quando chegava a casa não se
espantava
nada de encontrar tudo em ordem, porque não se
lembrava de que tinha
deixado tudo fora de ordem.
Oriana saiu de casa do moleiro e foi a casa do Homem
Muito
Rico.